Revolução digital pode reinventar o emprego contemporâneo.


Desde o fim do século 18 no Reino Unido, revoluções industriais tentam realizar o sonho do escravo mecânico. Tudo começou com a mecanização da indústria têxtil, assumindo depois a fabricação de objetos, que deixaram de ser feitos à mão.
 
Era a primeira Revolução Industrial. Ela foi complementada pela linha de montagem para produção em massa, contribuição dos EUA no início do século 20, que criou o que se convencionou chamar de Segunda Revolução Industrial. A digitalização dos processos de manufatura promete criar uma terceira revolução, com novas ideias como impressão tridimensional, robôs colaborativos e serviços acessíveis online.
 
Enquanto a capacidade das máquinas cresce exponencialmente, a de seus operadores continua, em linhas gerais, não muito diferente do que era em tempos pré-históricos. Até agora essa simbiose entre forças produtivas correu bem. A tecnologia agrícola gerou a agroindústria, a revolução industrial levou as pessoas para as fábricas e a globalização e automação as tiraram delas para colocá-las em escritórios de serviços de informação. Ao longo de todas essas transformações, o número de empregos sempre aumentou.
 
A terceira revolução, no entanto, não promete ser tão amigável com aqueles que a criaram. Robôs e algoritmos espalhados por funções de todos os níveis - de garçons a cirurgiões, de motoristas a fornecedores de serviços jurídicos - tendem a uma eliminação de postos de trabalho constante e permanente, em ritmo jamais visto.
 
A esperança de que as máquinas livrem seus donos de fardos costuma vir acompanhada do temor de que elas, mesmo que não se revoltem, acabem por tirar-lhes a capacidade de ação. Muitas vezes desprezado como falácia tecnófoba, esse medo vem ganhando popularidade graças à crescente concentração de capital, sua prevalência sobre o trabalho, a sutil desvalorização do trabalhador e a velocidade das tecnologias de informação.
 
Como toda revolução tecnológica, ela é superestimada a curto prazo para ser subestimada a longo prazo. Empresas costumam levar diversos anos para substituir trabalhadores por máquinas. Apesar de existir desde a década de 1960, robôs começaram a dominar as fábricas nos anos 90. Como eles, PCs existem desde o início dos anos 1980, mas não ameaçavam empregos até próximo da virada do século. Hoje há a promessa de drones comerciais, carros autônomos e robôs que fritam hambúrgueres. Todas as tecnologias são viáveis e visíveis, por mais que seu efeito no mercado de trabalho não seja significativo. Ainda.
 
Talvez demore para que máquinas tenham capacidades humanas como a compaixão, a criatividade e a reflexão profunda. Mas quantas vezes esse tipo de habilidade é demandada de um trabalhador de fábrica? De um cobrador de ônibus? De um burocrata? De você? A maioria dos trabalhos é tediosa, repetitiva, maçante, rotineira e fácil de automatizar, pelo menos em parte.
 
Há um certo exagero no otimismo que defende que a tecnologia cria empregos. Por mais que existam novas profissões, boa parte das novas oportunidades de trabalho criadas já existia há mais de meio século. Para piorar, os novos negócios tendem a ser mais “eficientes”, e demandam cada vez menos funcionários.
 
Mas até que ponto o trabalho humano é verdadeiramente importante? Até a primeira Revolução Industrial ele era considerado um castigo divino, punição imposta a Adão e Eva por suas sacanagens no jardim do Éden. A visão de Paraíso sempre foi uma visão de ócio criativo.
 
Foi só com a popularização da igreja calvinista que o trabalho passou a ser considerado um valor, não um fardo. Max Weber chamou essa ideologia de ética protestante. De acordo com ela, só o trabalho, não a compaixão ou a devoção religiosa, levariam à salvação da alma. Sua influência é tão grande atualmente que até hoje a primeira pergunta que se faz a um indivíduo é relacionada a seu emprego.
 
O emprego, no mundo contemporâneo, está diretamente relacionado à autoestima. São poucos os “esclarecidos” que não se sentem culpados por estarem improdutivos. Pouco importa a origem ou a fortuna pessoal, todos precisam trabalhar. Quanto mais, melhor.
 
A devoção quase religiosa ao trabalho em tempos de prosperidade sem precedentes faz com que muitos sacrifiquem a família, a saúde e o desenvolvimento pessoal em nome de um salário que não conseguirão gastar. Não custa lembrar que o portão de entrada do campo de concentração de Auschwitz dizia “o trabalho liberta”.
 
A crença irracional e dependência no trabalho pelo trabalho leva muita gente a se escravizar em tarefas desprovidas de propósito, identidade, autonomia ou criatividade. Excomungados dessa seita, poucos desempregados usam seu tempo para desenvolver atividades sociais, aprender ou fazer esportes. A maioria, deprimida, vê TV ou dorme enquanto espera uma nova “oportunidade”
 
Durante a Depressão de 1929, o economista John Maynard Keynes percebeu que a condição poderia ser transitória, e que uma única saída possível estaria em uma semana de 15 horas de duração, que ele imaginou que aconteceria por volta de 2030. Durante muito tempo sua proposta foi criticada, mas à medida que se chega próximo ao prazo, percebe-se que sua opinião tem fundamento.
 
Assumindo que a previsão de Keynes se concretize, muitos sentirão a tentação de obter dois ou três empregos, apenas para descobrir que eles não existem. E que os empregos em que eles estão demandarão um conhecimento e preparo que provavelmente ocupará boa parte da semana. O resto poderá ser investido em saúde, educação, socialização e outras atividades para as quais ninguém parece ter tempo hoje, como política, filosofia e cidadania.
 
A palavra “escola”, a propósito, surgiu do grego, e quer dizer “lazer”, descanso e atividades em que o tempo livre é empenhado, como debates e discussões; filosofia. É triste ver que a instituição que surgiu para ensinar as pessoas a pensar hoje as adestra para trabalhar.
 
Emprego e desemprego não são grandezas absolutas, nem mutuamente exclusivas. Há uma grande quantidade de condições intermediárias entre esses dois extremos, que pode ser vista em boa parte das indústrias criativas mais inovadoras.
 
Um ambiente que não dê tanta importância ao emprego não precisará ter gente comutando de casa para o trabalho todos os dias, e tampouco necessitará de grandes prédios de escritórios. Isso pode mudar completamente a dinâmica das cidades, grandes e pequenas, à medida que a semana de 40 horas de trabalho seria substituída por outra mais flexível, remota e inclusiva.
 
A sociedade do século 21, sob esse aspecto, pode se tornar bastante parecida com a do século 19, uma economia marcada por trabalhos episódicos em diversas atividades, nenhuma central, em que a própria ideia de desemprego não faria o menor sentido.
 
Folha de São Paulo.
 
 
Para uma categoria profissional a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado!
Pense nisso!

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