Adicional de periculosidade e aparelho de raio-x móvel.
Uma mudança relevante na compreensão jurisprudencial sobre o direto à percepção do adicional de periculosidade.
É possível afirmar que estamos diante de uma mudança relevante na compreensão jurisprudencial sobre o direto à percepção do adicional de periculosidade decorrente da permanência nos ambientes em que são utilizados os aparelhos denominados raio-X móvel, haja vista o precedente firmado no IRR n. 1325-18.2012.5.04.0013.
A Consolidação das Leis do Trabalho, quando criada, atribuiu ao então Ministério do Trabalho – hoje, Secretaria de Trabalho, vinculada ao Ministério da Economia – a possibilidade de estabelecer disposições complementares às normas de segurança e medicina do trabalho.
Cumprindo a tarefa legal, o órgão ministerial editou a Portaria nº 3.393/1987, que, em suma, considerava que qualquer exposição do trabalhador às radiações ionizantes ou substâncias radioativas como potencialmente prejudicial à sua saúde. Partindo dessa premissa, adotava-se como atividades de risco concernentes a radiações ionizantes ou substâncias radioativas, um “Quadro de Atividades e Operações Perigosas”.
O trabalho nas condições previstas nesse quadro assegurava ao empregado o adicional de periculosidade de que trata o parágrafo 1º do artigo 193, da CLT.
Nessa portaria, chamava à atenção o item 4, que considerava, como periculosos, as atividades de operação com aparelhos de raios-X, com irradiadores de radiação gama, radiação beta ou radiação de nêutrons.
Além disso, o mesmo item previa, como área de risco, as salas de irradiação e de operação de aparelhos de raios-X e de irradiadores gama, beta ou nêutrons.
É importante destacar que o tratamento dispensado à questão das radiações ionizantes e radioativas – objetos da portaria acima referida – foi influenciado diretamente por um acontecimento histórico nacional relevante. Trata-se do acidente radiológico em Goiânia. Esse evento trágico ocorreu no mês de setembro de 1987, cerca de três meses antes da edição da norma.
Por isso, é plenamente compreensível que, à época, nada mais natural do que considerar potencialmente prejudicial à sua saúde qualquer exposição do trabalhador às radiações ionizantes ou substâncias radioativas.
Transcorridos aproximadamente quinze anos da edição dessa regulamentação, editou-se a Portaria nº 496/2002, que passou a considerar como não mais periculosas – mas apenas insalubres – as atividades acima mencionadas. Assim foi feito, porque a antiga categorização não encontraria amparo no art. 193, caput, da CLT.
O novo enquadramento, a nosso ver, aperfeiçoou o tratamento da problemática, principalmente se considerarmos o que define cada adicional. O de insalubridade é aquele devido ao trabalhador que estiver exposto a situações nocivas à sua saúde enquanto executa o serviço. Já o adicional de periculosidade é aquele devido quando o empregado, ao exercer sua função, está exposto a perigo que pode por em risco sua vida. Assim sendo, tem-se que a Portaria nº 496/2002 consistiu em acerto do Ministério do Trabalho, ao menos do ponto de vista conceitual.
No entanto, a mudança promovida trouxe inconvenientes financeiros. O pagamento do adicional de periculosidade, via de regra, é calculado pelo percentual de 30% sobre o salário básico do trabalhador. Já o adicional de insalubridade, no seu maior grau, é calculado em 40% do salário mínimo. Dessa forma, como, na área da saúde, não raro o trabalhador recebe salário mais elevado do que o mínimo legal, o adicional de periculosidade se torna mais vantajoso.
A Portaria nº 496/2002, também por isso, teve vida curta. Entidades sindicais, no legítimo exercício de representação das suas categoriais profissionais, obtiveram êxito ao pressionar politicamente as autoridades, o que culminou na edição da Portaria nº 518/2003. Esta, por sua vez, repristinou o quadro anexo da portaria de 1987, sob o argumento “requentado” de que qualquer exposição do trabalhador a radiações ionizantes ou substâncias radioativas seria potencialmente prejudicial à sua saúde, bem como porque o presente estado da tecnologia nuclear não permitiria evitar ou eliminar o risco em potencial oriundo de tais atividades.
Nessa época, em razão da utilização cada vez mais crescente dos aparelhos de raio-X móvel para diagnóstico e tratamento, já havia reclamatórias trabalhistas postulando o pagamento do adicional de periculosidade. Muitas decisões no âmbito da Justiça do Trabalho foram proferidas adotando o entendimento de que o contato com radiações ionizantes decorrentes da proximidade de aparelhos de raio-X móvel de baixa potência gerava o direito ao pagamento do adicional de periculosidade, justamente por força da Portaria nº 518/2003.
Ocorre que, em 2015, o então Ministério do Trabalho editou mais uma norma para regulamentar o pagamento do adicional proveniente do contato com radiações ionizantes.
Entrou em vigência a Portaria nº 595/2015, que introduziu nota explicativa a Portaria 518/2003, no sentido que de “não são consideradas perigosas, para efeito deste anexo, as atividades desenvolvidas em áreas que utilizam equipamentos móveis de Raios X para diagnóstico médico”.
Essa inovação regulamentar subverteu o entendimento até então consolidado.
Desde sua edição, iniciou-se intenso debate acerca da validade e abrangência da portaria nº 595/2015. Após quase dois anos de discussão e entendimentos conflitantes nos Tribunais, a 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho chamou um feito à ordem e remeteu seus autos para a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do mesmo tribunal, a fim de avaliar se era caso de acolher a proposta de Incidente de Recurso de Revista Repetitivo.
Como decorrência, o TST, em 01/08/2019, julgou o tema repetitivo nº 10 e fixou a tese de que a norma do extinto Ministério do Trabalho não padece de inconstitucionalidade ou de ilegalidade e, portanto, não é devido o adicional de periculosidade ao trabalhador que, sem operar o equipamento móvel de raio-X, permaneça de forma habitual, intermitente ou eventual nas áreas de seu uso. E mais, a Corte entendeu que sua decisão deveria produzir efeitos ex tunc, ou seja, de forma retroativa.
O julgamento foi uma importante vitória para os empregadores da área da saúde, que passam a ter segurança jurídica na utilização de tais equipamentos, sem que isso represente aumento da folha de pagamento.
Além da perspectiva de aplicação nas relações de trabalho vigentes, digno de nota que, em razão de o art. 927, III, do Código de Processo Civil, estabelecer que os demais Juízos e Tribunais devem observar os acórdãos de resolução de demandas repetitivas, haverá decisão também deverá produzir reflexos em processos que estão tramitando. Sob pena de terem suas decisões reformadas, todos os Tribunais ordinários deverão aplicar a solução ao caso dada pelo TST. Em decorrência da admissão do IRR, muitos processos foram sobrestados e, agora, os pedidos dos reclamantes estão sendo julgados improcedentes. Com isso, tem-se alcançado significativa economia para hospitais e casas de saúde que utilizam o equipamento em questão.
Por fim, cabe ser destacada a adoção de medidas processuais que buscam reverter processos em que já havia a condenação ao pagamento do adicional de periculosidade. Nesse sentido, vários empregadores têm ajuizado ações revisionais, mesmo após trânsito em julgado dos processos de conhecimento, objetivando alterar a decisão de condenação do empregador. Dessa forma, evita-se que o empregado obtenha importância indevida face o entendimento da Portaria 595/2015.
Jota,
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