Trabalhadores perdem direitos previstos para acidentes de trajeto.
As empresas não são mais obrigadas a garantir estabilidade de um ano para empregados que sofrerem acidente a caminho ou na volta do trabalho.
As empresas não são mais obrigadas a garantir estabilidade de um ano para empregados que sofrerem acidente a caminho ou na volta do trabalho. Nem pagar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pelo período de afastamento médico. As mudanças são consequência da entrada em vigor da Medida Provisória (MP) nº 905, conhecida como “nova reforma trabalhista”. A norma retirou da lista de acidentes de trabalho os chamados acidentes de trajeto.
A alteração atende a mais um pleito das empresas. As companhias sempre defenderam não poderem ser responsabilizadas por ocorrências fora de suas dependências. Em média, são cerca de 100 mil acidentes de trajeto por ano no país, segundo dados do último Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho divulgado pelo Ministério da Fazenda, referente ao período de 2015 a 2017.
Em cumprimento à MP, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, atrelada ao Ministério da Economia, já emitiu um ofício aos peritos médicos federais para orientá-los sobre a mudança trazida pela MP, que entrou em vigor no dia 12. O Ofício-Circular nº 1649/2019 está assinado pela subsecretária da Perícia Médica Federal, Karina Braido Santurbano de Teive e Argolo.
Agora, com a mudança, o empregador não precisa mais emitir Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) e livrou-se do risco de ser penalizado. A multa em caso de falta de envio da CAT no prazo — até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência — varia hoje entre R$ 1.751,81 e R$ 5.839,45, por acidente sem comunicação.
O empregado, por sua vez, caso tenha que se ausentar por mais de 15 dias para se recuperar do acidente, não tem mais direito ao auxílio-doença acidentário, mas pode pedir o auxílio-doença comum — ambos de 91% do salário de benefício. A diferença é que ele perde o direito à estabilidade de 12 meses e o FGTS. Caso tenha sequelas decorrentes do acidente, continua a ter o direito de pedir o auxílio-acidente (no valor de 50% do salário benefício).
Os acidentes de trajeto estavam previstos na alínea “d” do inciso IV do artigo 21 da Lei 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, revogada pela MP. A norma tem prazo de 120 dias contados da publicação para ser convertida em lei ou perder a eficácia.
Apesar de a lei incluir os acidentes de trajeto, as empresas não conseguiam atuar para reduzi-los, segundo a advogada Mayra Palópoli, do Palópoli & Albrecht Advogados. “Há empresas que chegaram a promover campanhas internas para orientação de segurança no trânsito, com enfoque na redução dos deslocamentos de empregados por meio de motos e atenção às regras e sinalização de trânsito. Justamente para reduzir o número de acidentes de trabalho”, diz.
Para a advogada, porém, a questão deveria ter sido amplamente debatida e não modificada por medida provisória. “Ainda assim, a alteração se faz necessária, uma vez que o acidente que ocorre no deslocamento por conta própria do empregado, não pode ser evitado pela empresa.”
Segundo o advogado Fabio Medeiros, do Lobo De Rizzo Advogados, algumas companhias não se sentiam confortáveis em dar a garantia provisória de 12 meses para funcionário que sofreu acidente de trajeto, pelo qual não tiveram qualquer responsabilidade. “No dia a dia da empresa, que não pode paralisar suas atividades, pode ser complicado. O funcionário pode ficar meses afastado e normalmente é preciso contratar alguém para substituí-lo. Há dificuldade para realocar esse funcionário na sua volta”, afirma.
A mudança já era esperada por ser coerente com outras recentes alterações, segundo Medeiros. Uma delas é a reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017), que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para não mais considerar o tempo gasto pelo empregado no deslocamento de ida e volta ao trabalho como parte da jornada de trabalho.
A outra modificação foi feita pela Previdência Social. Desde 2018 já não considera os acidentes de trajeto para o cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP). O mecanismo pode elevar ou reduzir a alíquota da contribuição aos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT) — nova denominação para o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT).
Leonardo Mazzillo, do W Faria Advogados, considera que a inclusão dos acidentes de trajeto no cálculo do FAP não era muito justa. “Nenhum esforço da empresa, mesmo que seja cuidadosa e invista muito em segurança do trabalho, pode refletir na maior ou menor chance do empregado se acidentar nas ruas”, diz.
Como exemplo, ele cita o funcionário que prefere ir para o trabalho de moto, mesmo recebendo vale-transporte e correndo mais riscos de sofrer um acidente. “Nesses casos, a empresa não contribuiu, de forma alguma, para que o acidente ocorresse. Por isso, não pode ser responsabilizada."
A ideia da lei de equiparar o acidente de trajeto ao acidente de trabalho era dar mais segurança ao trabalhador, segundo Caio Taniguchi, do Simões Advogados. “Mas o empregador sempre criticou demais porque não consegue ter ingerência sobre esses deslocamentos”, diz.
Polêmica, a MP é alvo de críticas das centrais sindicais, que enviaram ofício ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM/AP), pedindo a devolução do texto ao governo. As entidades enfatizam no texto o excesso de medidas provisórias (36), apesar de a Constituição autorizar a edição apenas para casos de relevância e urgência, o que não incluiria o Programa Verde Amarelo.
“A MP 905 é mais um vergonhoso ataque à classe trabalhadora. É um desrespeito à sociedade e ao Parlamento por modificar leis sobre o direito dos trabalhadores sem nenhum diálogo. Esperamos que o Congresso seja altivo e devolva imediatamente essa medida ao governo”, diz Sérgio Nobre, presidente da Central Única dos Trabalhadores.
Valor Econômico.
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