O que está por trás da terceirização.
Quando era jovenzinho, ouvi algumas pessoas defenderem a tese de
que o problema da inflação eram os intermediários. Se os produtos,
especialmente alimentos, tivessem um caminho direto do produtor até o
consumidor, os seus preços seriam mais baratos. A intermediação afetaria, na
verdade, a formação do preço, não sendo uma questão de inflação,
especificamente.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao mercado de capitais, de
maneira particular à emissão pública de títulos de dívida. Se a empresa toma
dinheiro diretamente do investidor, a ausência de um intermediário seria
benéfica aos dois agentes. O lucro obtido por esse intermediário seria
distribuído: parte reduziria o custo do empréstimo para a empresa tomadora;
parte aumentaria o rendimento do investidor.
Nós podemos pensar na terceirização como uma forma de inserir
intermediários na relação trabalhista. Dessa forma, qual seria o ganho da
terceirização se a colocação de um intermediário encarece o preço? Para
responder essa questão, acredito que é preciso analisar as diferentes relações
de trabalho, ou, melhor dizendo, a “compra” da qualidade de mão de obra.
Diante disso, destaco o que me parecem ser os três principais
níveis de qualidade na contratação de mão de obra, a saber:
Mão de obra não qualificada;
Mão de obra especificamente qualificada;
Mão de obra qualificada.
No primeiro caso, teríamos, de um lado, as atividades acessórias
ou complementares da empresa, que não estão ligadas à sua operação, motivo pelo
qual se denominam atividades meio. Os principais exemplos são os serviços de
vigilância, limpeza, logística, dentre outros. Para essas atividades, a
legislação e a jurisprudência trabalhista já aceitava a terceirização.
Por outro lado, é possível que haja atividade fim da empresa, ou
seja, aquela relacionada diretamente à sua operação (“core business”), em que
não se exige qualificação. Alguns exemplos seriam os serviços de manuseio em
operação de logística e distribuição e os serviços de controle de almoxarifado
nas mais variadas indústrias. A discussão sobre a terceirização tem esses casos
como foco.
Quando se trata de mão de obra não qualificada, em quaisquer dos
dois casos mencionados, o interesse do contratante é a força de trabalho em si,
não importando – ou importando pouco – a pessoa que executa a tarefa. Nesse
contexto, a terceirização teria como principal vantagem manter a força de
trabalho, manter a disponibilidade da mão de obra. Ausências pessoais, seja por
qual motivo for, não seriam sentidas pela empresa contratante e beneficiária da
mão de obra.
Por mão de obra especificamente qualificada, estou me referindo
àqueles casos em que o empregado deve ter um conhecimento específico, como, por
exemplo, a operação de uma máquina de alta tecnologia. Essa mão de obra não é
desqualificada ou qualificada de maneira geral. Ela é bem treinada para uma
tarefa definida, embora possa não ter qualificação para outras tarefas, ainda
que mais simples. Nessa situação, a terceirização traria pouca vantagem, porque
dificilmente a empresa fornecedora de mão de obra (terceira) seria capaz de ou
teria interesse em manter pessoas especializadas em tarefas específicas.
Para o caso da mão de obra qualificada, existem também duas
esferas. Algumas tarefas exigem formação específica, inclusive de nível
superior (por exemplo: advogados, contadores, engenheiros, farmacêuticos,
nutricionistas etc.). Quando essas tarefas não compõem a atividade fim, elas já
eram terceirizadas, com benefícios inclusive para os prestadores dos serviços.
A terceirização apresenta forte impacto estrutural, de benefícios
e de custos, quando a tarefa a ser executada é de alta qualificação e integrada
à operação da empresa (“core business”). Isso porque, normalmente, a mão de
obra é fornecida por um profissional de alta formação e que, em decorrência,
recebe uma remuneração superior. Nessa situação, a relação de confiança
recíproca, entre o profissional e a empresa, não se estabelece simplesmente
pelo vínculo de emprego, o que quer dizer que a carteira assinada talvez não
seja o requisito mais importante.
Em uma relação desse tipo, os custos da contratação de mão de
obra, quer os suportados pela empresa quer os suportados pelo executor das
tarefas, representam um fator fundamental para a sua estruturação. A opção por
contratar essa mão de obra como empregado, regido pelas normas da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), ou como terceiro faz significativa diferença,
especialmente com relação aos encargos trabalhistas e previdenciários. Daí, a
alternativa da constituição de pessoas jurídicas por parte do executor da
tarefa para que o serviço seja prestado – processo conhecido como
“pejotização”.
Esses são os pontos que estão por trás da discussão sobre
terceirização.
Valor Econômico.
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