Ser profissional terceirizado vale a pena?
Em meio à polêmica sobre a nova lei de terceirização - que,
segundo seus defensores, aumentaria o nível de emprego no Brasil -, o IBGE
anunciou que o desemprego subiu para 6,2 % em março, uma alta de 0,3 ponto
porcentual na comparação com fevereiro e de 1,2 ponto porcentual em relação a
março do ano passado.
Trata-se do índice mais
alto desde maio de 2011.
O Brasil tem hoje cerca
de 12 milhões de trabalhadores terceirizados, cerca de um quarto da mão de obra
formal no país.
Para saber como é o
cotidiano dessas pessoas atualmente, a BBC Brasil conversou com terceirizados
que atuam em empresas de diversos setores, como o de petróleo, comunicação ou
de serviços de limpeza, e ouviu mais queixas do que elogios.
Para Nívia Rejane, de 36
anos, a terceirização foi a chance de finalmente entrar no mercado de trabalho
formal, depois de trabalhar como empregada doméstica desde os 12 anos.
"Tenho carteira
assinada, décimo-terceiro, INSS, vale transporte, ticket-alimentação",
lista ela, que foi contratada há um ano por uma empresa de serviços gerais e
faz limpeza diariamente em três escritórios na zona sul do Rio. "Semana
que vem entro de férias – remuneradas", comemora.
Já para Rodrigo (nome
fictício), a terceirização foi o caminho para entrar na empresa dos sonhos, a
Petrobras. Há quase dez anos na empresa, ele revela exercer atualmente função
que só poderia ser desempenhada por um funcionário concursado – por se tratar
de uma atividade-fim da empresa –, porém com salário e benefícios menores.
"Tem gente que de
fato presta serviço de apoio, mas eu exerço uma atividade-fim e ganho muito
menos do que um concursado ganharia para fazer a mesma coisa", diz
Rodrigo, afirmando ser comum que a função descrita na carteira de trabalho seja
genérica como forma de escapar à regra.
Atividades-meio ou
atividades-fim:
Atualmente, a
regulamentação da terceirização no Brasil restringe essa prática às chamadas
"atividades-meio" – como serviços de segurança ou limpeza – mas não
permite que seja usada para contratar funcionários que desempenhem
"atividades-fim" (como um médico em um hospital ou um professor em
uma escola). Se aprovado, o projeto de lei que já passou pela Câmara dos
Deputados vai acabar com essa restrição.
O debate em torno do
projeto (PL 4330) está polarizado. Defensores argumentam que vai dinamizar o
mercado de trabalho e permitir a abertura de novas vagas, ampliando a segurança
jurídica para quem já presta serviço como terceirizado. Já críticos dizem que a
medida precariza as relações de trabalho e significariam um golpe nos direitos
trabalhistas garantidos pela CLT.
Miguel Torres,
presidente da Força Sindical, defensora do projeto, considera que a
insatisfação existe porque, da forma como é praticada hoje, a terceirização é
danosa ao trabalhador.
"A maioria do
empresariado que terceiriza o faz para reduzir encargos e salários. Terceiriza
para precarizar, tirando o trabalhador de uma categoria que já conquistou
direitos e cortando benefícios", diz. "Nós também somos contra a
terceirização (do jeito que é praticada). Somos a favor da regulamentação que
inclua direitos."
Os terceirizados ouvidos
pela BBC Brasil queixam-se de diversas distorções geradas por diferentes
regimes de contratação em uma mesma empresa.
Juliana (nome fictício)
trabalha na área de saúde da Fiocruz e, mesmo desempenhando a mesma função, já
passou por três empresas em dez anos.
Ela diz que as empresas
terceirizadas que ganham licitações para serem contratadas pelo instituto mudam
frequentemente, mas os funcionários ficam, pulando de contrato em contrato.
"As empresas mudam
e as pessoas continuam. Porque é uma mão de obra já qualificada, que já tem
experiência e conhece o trabalho. A intenção do governo é gradualmente
substituir todos os terceirizados, mas as vagas que são abertas para concurso
público não suprem a necessidade."
Dentro da Fiocruz,
Juliana já passou por empresas que não depositavam o INSS e o FGTS, não davam
vale-transporte e atrasavam o pagamento salarial, e perdeu as férias na
transição de um contratante para o outro.
Proteção:
Miguel Torres, da Força
Sindical, diz que o projeto apresentado inicialmente no Congresso "estava
muito ruim", mas considera que as emendas aprovadas trouxeram garantias
importantes para os trabalhadores.
Ele ressalta como
exemplos o dispositivo que obriga a empresa terceirizada a ter uma única
especialidade, que seja necessariamente a mesma do contratante; o que faz com
que funcionários terceirizados passem a ser representados pelo sindicato
específico de sua área de atuação, fazendo com que benefícios negociados para
uma categoria sejam extensíveis também a terceirizados; e o que aumenta a
responsabilidade da empresa que contrata os serviços de uma terceirizada,
tornando-a coparticipante dos direitos dos trabalhadores.
Isso evitaria, de acordo
com o economista Mario Salvato, que trabalhadores terceirizados fiquem
desprotegidos caso seus empregadores diretos não estejam pagando os salários ou
benefícios em dia – como ocorreu com Juliana – ou venham a fechar as portas.
"O processo de
terceirização vai elevar os direitos desses 12 milhões de trabalhadores
terceirizados e dos demais que vierem a ser contratados assim", considera
Salvato, coordenador do curso de economia do IBMEC/Minas.
Um levantamento
realizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo Dieese
(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) reflete a
disparidade salarial. Ao comparar trabalhadores que realizavam a mesma função
em 2010, o estudo constatou que os terceirizados recebiam em média 27% a menos
que os contratados diretos.
Gabriel (nome fictício)
sente essa diferença todo mês. Ele trabalha na área de comunicação da Petrobras
e diz que lá todos são tratados da mesma forma, mas os funcionários
terceirizados costumam ter salários menores que os concursados. Em quase uma
década na estatal, já esteve sob contrato de quatro empresas, embora
continuasse desempenhando rigorosamente a mesma função.
Há diferenças sutis,
como a cor do crachá – verde, para os concursados, e brancos, para os
terceirizados. Todos almoçam no mesmo refeitório, e a quantidade de horas
trabalhadas é a mesma. A diferença principal são os benefícios. Terceirizados
não têm, por exemplo, direito a participação nos lucros da Petrobras,
exemplifica:
"Nossa
′participação nos lucros′ vem quando o contrato da empresa chega ao fim, somos
demitidos e ganhamos indenização", afirma Gabriel.
Os entrevistados dizem
que os diferentes tipos de vínculo no mesmo espaço de trabalho podem geram
desconforto e até discriminação.
Rodrigo se queixa da
falta de investimento em formação. Na Petrobras, ele diz não ter acesso aos
treinamentos e cursos oferecidos a funcionários concursados.
"Como a gente não
tem oportunidades de crescimento profissional, as pessoas acabam durando pouco
tempo na empresa", afirma Rodrigo, queixando-se se ainda de diferenças no
tratamento.
"Sentimos isso até
em trocas de e-mails. Alguns concursados se negam a passar informações
específicas a terceirizados. Todos aqui somos profissionais. Sempre batem na
tecla de que isso (preconceito) não existe. Existe, mas é velado."
Foi quando Juliana ficou
grávida que mais sentiu a diferença do seu contrato na Fiocruz. Como
terceirizada, teve direito à licença maternidade padrão de quatro meses, e não
os seis meses dados às suas vizinhas concursadas. E, ao contrário dos
servidores, sua filha não pôde ter direito à creche gratuita oferecida dentro
da instituição em Manguinhos.
"A gente vive
assim, com essa diferença marcada. Fazemos o mesmo trabalho mas temos
benefícios diferentes."
Dependendo do tipo de
atividade, a terceirização não passa por uma contratação com os benefícios da
CLT e envolve abrir uma empresa, para ser contratado como pessoa jurídica (PJ).
′Ainda preferiria CLT′:
O publicitário Manuel
(nome fictício) criou seu CNPJ em 2010, quando saiu de um emprego formal e
virou freelancer. Descobriu que a partir de certo nível de salário em agências
publicitárias, as vagas no regime CLT eram praticamente inexistentes, e abriu
uma empresa.
Para algumas situações,
essa solução pode ser vantajosa por permitir reduzir a carga de impostos, mas
Manuel diz que não teria feito essa opção.
"Ainda preferiria
uma contratação por CLT pela segurança, estabilidade e salário. Ser PJ (pessoa
jurídica) não compensa os benefícios da CLT se considerarmos o FGTS, o INSS e
os possíveis 40% de indenização e auxílio-desemprego no caso de uma
demissão", considera ele, acrescentando que é caro – e burocrático – abrir
e manter uma empresa.
Patrícia (nome fictício)
é jornalista e também se viu obrigada a aderir à "pejotização" para
trabalhar em uma agência de notícias. Arcou com os custos de abrir sua empresa,
bancou a taxa de contratação de serviços que consumiu 1/5 do primeiro salário,
e tudo para durar apenas cinco meses na função.
Assim que apareceu uma
chance de ser contratada pela CLT, Patrícia saiu – ainda mais sendo o salário
melhor. "Mesmo que o salário fosse igual, eu teria saído se fosse pela
CLT. Não compensava ser PJ. Mas na empresa anterior não era uma opção, era a
prática."
Para o consultor
jurídico da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan),
Pedro Capanema, a visão negativa corrobora a necessidade do projeto de lei.
"O que se pretende
é regulamentar e dar mais segurança para as pessoas que trabalham como
terceirizadas", diz ele, considerando que a terceirização vai especializar
mais as empresas e assim aumentar sua eficiência e competitividade no mercado.
"A ideia é que se consiga terceirizar com segurança, reduzindo custos sim,
mas com foco na competitividade."
A maioria dos ouvidos
pela BBC Brasil, porém, diz não acreditar que o PL da terceirização, da maneira
como o projeto está, possa lhes beneficiar ou corrigir as distorções
enfrentadas por pessoas como elas. Patricia, por exemplo, concorda que é
necessário regulamentar a terceirização – mas considera que deveria haver um
foco maior em preservar os direitos dos trabalhadores.
BBC.
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