Casos curiosos movimentam os tribunais.

Casos curiosos e impactantes levam a Justiça do Trabalho a promulgar sentenças que tanto servem para ratificar a legislação, quanto para dar nova interpretação às leis - instituídas em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas - ou até mesmo se debruçar sobre situações não previstas pelas regras.


A ação trabalhista movida por uma enfermeira demitida por justa causa após postar fotos do ambiente de trabalho no Facebook é um exemplo. Na ação a profissional pedia a descaracterização da justa causa e o pagamento por dano moral pelo constrangimento causado pela demissão.


Além de expor pacientes da UTI, as fotos demonstravam brincadeiras inadequadas para o ambiente hospitalar. Por essas razões, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) não deu ganho de causa à enfermeira.


Sorte diferente teve o operador de áudio da Basílica de Nossa Senhora Aparecida, demitido por justa causa após exibir, por engano, um vídeo pornográfico. O fato ocorreu no intervalo entre as missas dominicais. O empregado pegou um, dentre inúmeros DVDs institucionais sem identificação que se encontravam no local e eram normalmente usados no circuito interno da basílica.


Em sua defesa, o trabalhador alegou que naquele momento estava acumulando uma função para a qual não havia sido contratado - a de operador de vídeo. A Justiça considerou nula a justa causa, porque os empregadores não conseguiram comprovar a culpa do funcionário pela divulgação do conteúdo impróprio, nem que ele era proprietário daquela mídia.


Outro caso real e pitoresco é narrado pelo presidente da Comissão de Direito Trabalhista da Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB-SP), Eli Alves da Silva. "Defendi a gerente de uma rede de supermercados que se sentia constrangida, porque no início e no final das reuniões todos tinham de cantar um grito de guerra da rede, enquanto eram obrigados a rebolar." Segundo ela, quem não se empenhava no rebolado era obrigado e dançar sozinho na frente do grupo. "Essa cliente foi indenizada em 160 mil", diz.


Na opinião do advogado do escritório Almeida Advogados, Luiz Fernando Alouche, está havendo uma modernização nas decisões num sentido amplo.


"O que a Justiça do Trabalho busca é sanar eventuais desrespeitos do empregador para com seu empregado, especialmente quando existe afronta a imagem do trabalhador."


Algumas decisões do TST podem causar estranheza num primeiro momento, como a que determinou o pagamento de hora extra por tempo gasto com ginástica laboral.


"Ao oferecer essa atividade aos empregados, é evidente que o período gasto deve ser incluído como tempo à disposição do empregador e deve ser pago como horário extraordinário", alega Silva.


Segundo ele, em contrapartida, a empresa terá empregado mais bem disposta para o desempenho das atividades.


Em Belo Horizonte (MG), a Justiça do Trabalho deu ganho de causa a um bancário que pleiteava o pagamento de hora extra para o período gasto com cursos feitos pela internet, durante a noite, por determinação da instituição financeira.


Para Wagner Verquietini, da banca Bonilha Advogados, a sentença é análoga a uma decisão antiga, que considera como tempo à disposição da empresa casos de trabalhadores que ficam presos em aeroportos para realizar viagens de trabalho.


Outra decisão trouxe à tona um direito desconhecido por muitos trabalhadores. Trata-se da aplicação de justa causa à empregadora. Neste caso, a medida foi consequência da ausência de depósitos de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).


"Mesmo sendo incomum, a decisão está correta, porque a justa causa se aplica tanto ao empregado como ao empregador", diz o professor de direito do trabalho da Universidade de São Paulo (USP) Estevão Mallet.


Segundo ele, empregado e empregador têm obrigações contratuais específicas. Se o contratante deixar de cumprir a sua parte, o trabalhador pode pleitear a rescisão do contrato por justa causa do empregador, é a chamada rescisão indireta do contrato de trabalho. Ela garante ao funcionário todas as verbas rescisórias.


Muitas ações trabalhistas que tramitam no Judiciário tratam de abuso de poder por parte da empregadora. Um exemplo é o caso de um funcionário de uma rede de supermercados que alegou ter sofrido constrangimento por quase dois anos por ser obrigado a etiquetar objetos pessoais de higiene.


O trabalhador passava por revista na entrada e na saída da loja. Se algum pertence estivesse sem etiqueta era retido pela equipe de segurança. Neste caso, o TST determinou indenização de R$ 15 mil alegando que tal procedimento caracterizava abuso no exercício regular de direito.


O professor Mallet afirma que a revista de empregados gera problemas frequentemente. "A empresa pode fiscalizar bolsas, malas e sacolas desde que seja feito de modo discreto e em ambiente reservado, respeitando a intimidade do empregado", diz ele.


Já em Vitória (ES), a conduta homofóbica do gerente de vendas de uma rede de eletrodomésticos rendeu a um vendedor uma indenização de R$ 30 mil por dano moral. Além disso, o empregador deverá arcar, durante um ano, com pagamentos mensais de R$ 250 para auxiliar o trabalhador na compra de medicamentos para tratamento de depressão. Segundo a vítima, a doença foi desencadeada pelo modo como era tratado na frente de clientes e colegas.


Limites. Para Fernando Abrão, do escritório Pires Abrão, Leite Rosa Sociedade de Advogados, o que várias dessas decisões têm em comum é o fato de a Justiça do Trabalho estar atribuindo um novo limite ao chamado poder diretivo do empregador.


"A Justiça tem entendido que o empregador não pode exigir de seus empregados além de um certo limite que não está estabelecido em lugar algum. Trata-se de um limite moral que o empregador deve adotar na hora de impor regras e atividades extras aos empregados."


No entanto, a advogada Cláudia Fini, do escritório Emerenciano, Baggio e Associados, acredita que está havendo protecionismo exagerado dos tribunais trabalhistas em favorecimento aos reclamantes. "Certa sentenças acabam desvirtuando a legislação, sempre para favorecer o trabalhador." Segundo Cláudia, isso ocorre porque a Justiça Trabalhista, em tese, existe por causa do trabalhador.


"Alguns juízes são tendenciosos para favorecer a parte mais fraca, e muitas vezes extrapolam até o que chamamos de princípio da razoabilidade e concedem verbas ou arbitram valores altos para fatos que não trouxeram danos ao empregado", afirma.



O Estado de São Paulo.


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