Cartada de Mestre de um Técnico em Segurança do Trabalho.
Tom
Benett era um homem de uma mente incansável. Nos últimos 40 anos tinha
construído uma imagem de um gigante quando a questão era tornar a vida
das pessoas melhores. Tom era considerado um dos melhores Técnicos de Segurança
do Trabalho que eu já havia conhecido. Dizíamos que ele dava o tom certo
para os “desafinados” no trabalho.
Ele
dizia: “Sua pequena parte nesse trabalho é tão grande como o Todo, por isso
seja sempre o maestro não importa que instrumento toque!”. Ele era demais. Sim.
Sem dúvida não se achava em qualquer canto do mundo homens como Tom.
Certa
vez o vi nessas minhas andanças pela selva industrial do mundo corporativo,
andando pelos corredores de uma grande siderúrgica. Um olhar de águia, profundo
e um sorriso largo. Ouvi quando se aproximou de um de seus parceiros de
trabalho, com sua voz carismática e firme:“Ah, Robert, vou puxar sua bela
orelha, pois você está fora do Tom”. Ele sabia dosar firmeza, carisma,
disciplina e respeito em poucas palavras. Aliás, a expressão “estar fora do
Tom” já tinha se tornado um jargão seu famoso pelas redondezas e quando alguém
ouvia esse chamamento disciplinar já podia saber que tinha deixado de colocar
algum ingrediente importante no “bolo do sucesso” como ele dizia.
No
entanto, o nosso amigo Benett, tinha acabado de entrar em uma metalúrgica líder
no seu segmento e mesmo com toda aquela imensa bagagem de sabedoria, mal sabia
ele que iria esbarrar-se em um tsunami de resistência.
Algumas
vezes na vida você já deve ter dialogado consigo mesmo, pensamentos como: “puxa
vida, parece que toda a minha experiência de vida, não está servindo de nada
agora...” ou“será que achei o meu limite?”. Pois bem, esse pensamento vilão
estava ousando assombrar o cenário mental de Tom em sua nova empreitada
profissional. A questão era: Um determinado setor era comandado por uma mente
perversa, porém, como “profissional técnico” era um dos melhores que já havia
passado por ali.
A “Perversidade” que me refiro está relacionada com o fato de
um indivíduo levar sua equipe a estagnação e resistência ao progresso. Ser
perverso, para muitos é cometer um ato de maldade bruto que é facilmente percebido.
No entanto, uma perversidade ainda mais perigosa, escolhe o método do boicote
camuflado e meticuloso, sem pressa, retardando a evolução de uma sociedade,
organização e da humanidade em geral.
O referido personagem sombrio em questão
fazia as coisas sempre do seu modo e levava a sua equipe a seguir seus passos.
Burlava regras, executava ações no tempo que acha conveniente, usava os EPIs
somente na presença de quem queria impressionar, ignorava sugestões de outros
companheiros de trabalho e assim vai uma lista imensa de perversidades.
A
empresa não abria mão desse profissional, pois seu domínio em determinados
processos industriais era difícil de se achar por aí e é claro que ele nunca
ensinava o“pulo do gato”.
Tom
tinha encontrado um paredão ameaçador que fazia com que a Muralha da China
parecesse uma lombadinha insignificante. Não podia desistir. Tinha que
ser determinado.
Já
havia passado um ano desde que tinha colocado pela primeira vez os olhos em seu
companheiro que arrancava suor de seus pensamentos. Durante esse período Tom
mostrou-se um guerreiro em sua aplicada gestão de mudanças. Passou várias
noites desenhando e aplicando seu planejamento estratégico. Foi desde a
cartazes bem elaborados e treinamentos técnicos até programas avançados de liderança
e alinhamento de normas e cultura empresarial. Atuou como coach
orientando sua equipe a busca da excelência, realizava palestras contagiantes e
de alto nível de conscientização recebendo várias vezes elogios do diretor
geral, reconhecimento esse que não era fácil de conquistar.
Tom
já tinha arrebanhado centenas de seguidores e vários setores já apresentavam
resultados significativos, mas apenas um setor se mostrava insensível ao seu
trabalho. Não era segredo para ninguém que algumas pessoas daquele referido
departamento começavam a demonstrar certa simpatia pelo técnico de segurança,
mas seu “líder” se assim podemos chamar já que o verdadeiro sentido de
liderança é bem diferente, conseguia sufocar os ideais de Tom na mente dos seus
subordinados, com um poder de persuasão impressionante ao distorcer a mensagem
renovadora que como um hino de progresso já tomava conta de quase toda a
organização.
Certo
dia Tom, sentado na varanda de sua casa, mergulhado no furacão dos seus
conflitos internos, pensou em jogar a toalha, partir para uma empreitada
mais tranquila já que restava pouco tempo para se aposentar. Não! Ele não era
um fraco e longe de dizer que ele era um perdedor! Lembrou-se de sua mãe quando
dizia: “Meu filho, uma batalha em certos momentos é vencida quando recuamos e
recuar é preparar-se para o momento certo de vencer!”. Tom chorou. Estava
cobrando demais de si mesmo. As lágrimas que rolavam pelo seu rosto carregavam
o peso que precisava se libertar. Foi quando olhou para a árvore do seu quintal
e viu uma cena que lhe chamou a atenção. Um passarinho, ainda muito filhote,
permanecia no ninho enquanto seus irmãos já tinham seguido sua mãe nas aulas de
voo. A mãe retornava e mostrava repetidas vezes o que sua cria deveria fazer,
mas nada do pequenino sair do conforto do seu lar doce lar, seguro e sem
perigos. “Como parece com o ser humano, o medo do novo” – meditou Tom que
filmava cada segundo com seus olhos ainda marejados de lágrimas. Em um
determinado momento a mãe parecendo não ter mais escolhas, empurrou o filhote
para a beirada do ninho. Segundos depois não conseguiu perceber se este foi
empurrado até cair ou se resolveu por si mesmo arriscar a decolagem. A cena
poderia ter terminado com um fim trágico, mas o jovem aprendiz resolveu mostrar
suas asas indomáveis e seguiu sua mãe como quem segue a voz da liberdade.
Tom
parou de respirar por alguns segundos, ele estava chocado com a resposta para
suas cruciais indagações. Tom acreditou na mensagem e se iluminou por dentro.
Correu desesperado a procura de um papel e caneta, seus pensamentos pareciam
uma cachoeira de palavras que não conseguiria segurar por muito tempo. Já tinha
passado mais de duas horas do seu almoço e ele não estava com fome. Se
alimentava a cada segundo dos seus pensamentos profundos. Quando encontrou o
que procurava, começou a escrever em uma velocidade impressionante, como se as
letras já estivessem esperando a ordem magnânima do seu criador. Ao terminar,
se jogou em seu leito sentindo-se parte de algo maior e adormeceu.
Na
segunda-feira, um dia após o episódio que acabou de ser relatado, chegou mais
cedo na empresa, organizou um palco, providenciou cadeiras, instalou microfone
e caixas de som e aguardou o pessoal daquele determinado setor chegar, e não
demorou para que isso acontecesse.
Um
a um foi chegando e sendo convidado pelo técnico inspirado a seguir para o
auditório improvisado. Passado 30 minutos todos já estavam sentados,
apreensivos pelo o que viria pela frente, inclusive o seu companheiro mais
desafiador de todos os tempos.
Tom
tinha quebrado um protocolo. Sem avisar organizou uma parada naquele setor e
isso sem dúvida iria lhe acarretar sérias consequências. No entanto, estava
muito focado em seu propósito para levar isso em conta.
Não
fez saudações. Não se preocupou com introduções explicando o motivo para tal
ação. Abriu um caderno de anotações amarelado pelo tempo, dirigiu-se ao
microfone e começou a ler aquilo que ficaria marcado para sempre em sua vida e
na vida de todos ali presente.
Sou
Tom Benett, um vencedor! Porém, algumas vitórias na vida são conquistadas mesmo
quando elas parecem derrotas. Vocês são vencedores e devo admitir que vocês
venceram naquilo em que acreditam. Estão certos. Eu como técnico de segurança
dessa organização irei proclamar o que vai ser daqui pra frente.
O
público tinha entrado numa espécie de transe. Envolvidos pelas palavras tomadas
de profunda energia do orador, não conseguiam mexer um músculo.
De
hoje em diante não será mais obrigatório o uso de EPIs. Estou libertando vocês
desse fardo. É incomodo e muitas vezes impedem que vocês tenham uma
desenvoltura melhor no trabalho.
Esqueçam
o 5s, é muito bonito na teoria, mas exige de vocês uma dedicação e
responsabilidade que infelizmente o salário que recebem não é compatível com
toda essa exigência.
É
muito cansativo esse excesso pela busca da qualidade. Tudo isso emperra a
produção. Conferir, conferir e conferir de novo! Se enquadrar nos padrões e normas
que exigem comprometimento e disciplina! Concordo com vocês, é um atraso e
vocês nunca conseguem bater a meta de produção.
Querem
que tirem o peso da cabeça de vocês de terem que participar das palestras de
conscientização que periodicamente a empresa promove. Geralmente são temas que
já estão cansados de ouvirem. Estão dispensados desse compromisso. Vocês já
sabem de tudo que é falado e assim podem ocupar o tempo com outras coisas mais
agradáveis à vocês.
As
palavras de Tom pareciam uma navalha afiada, cortando a respiração de cada um.
Isso
meus amigos! É tempo de alegria agora. Ao retornar para os vossos lares,
compartilhem essa mensagem com vossa família, mas não se esqueçam de pedir a
todos eles para se manter firmes, pois a qualquer momento você não voltará
mais!!!
Se
existia algo mais profundo do que o silêncio, esse seria o nome para esse
momento. Ninguém da plateia conseguia pronunciar uma sílaba se quer.
Quero
que você pense no sorriso daquela criança, do seu filho ou filha, que você
deixou em casa. Pensem fortemente. Pensaram? Pois bem, agora esqueçam ele!
Esqueçam, não existe mais, acabou! Vocês deram o grito de liberdade, portanto,
não têm mais compromisso com ninguém, pois a partir do momento que cortamos o
laço de comprometimento com as regras que sustentam a vida, cortamos também o
laço de comprometimento com as pessoas que amamos.
Seus
filhos não terão mais o pai ou a mãe para proteger eles, quando a dor do
desespero ou das decepções da vida os abaterem. Querem que ouçam o grito deles
chamando vocês. “Papai, mamãe, por favor, me ajudem!”. Querem que vejam as
lágrimas deles caindo esperando o vosso abraço. Acontece que ficarão chamando,
mas você não poderá ir, pois não estará mais aqui.
Quero
que lembre quando sua filha mostrou o desejo de dançar com você na festa de
quinze anos dela. Que grande bobagem, não é mesmo? Não se preocupe, terá outra
pessoa para te substituir. Vocês ouviram? Outro homem irá dançar com sua amada
filha.
Comecem meus amigos a despedir-se de todos, das pessoas que
você mais ama, dos seus projetos, dos seus sonhos, de tudo. Pois agora não têm
mais freios para assegurar a qualidade de vida de todos vocês, portanto a
qualquer momento pode ser a hora do fim.
Tom,
de repente ficou mais alterado e sua voz mais enérgica. Agora
peço a todos que levantem e gritem bem alto: “ESTOU LIVRE!”. Quando
Tom acalmou-se e passou a olhar com mais precisão cada rosto no auditório,
grande parte estava em lágrimas. Alguns tentavam conter a emoção, mas era
difícil.
De
repente uma pessoa levantou e quando todos achavam que o jovem iria pronunciar
o grito de liberdade, ele começou a bater palmas lentamente. A cena começou a
mudar, quando outra pessoa levantou e seguiu o exemplo do jovem. Tom estava
perplexo pelo que seus olhos se esforçavam a acreditar, mas um a um se levantou
e em alguns segundos todo aquele recinto estava tomada por centenas de palmas.
Outros setores tinham ficado sabendo do grande discurso e a multidão se
acumulava nas escadas, em cima de caixas e veículos, pendurados em prateleiras
e muito mais.
No
meio do cenário turbulento onde as palmas se prolongavam apenas Tom tinha visto
o líder daquela equipe sair calado pelos fundos. Essa seria a última imagem que
ele teria daquele personagem que se tornou especial em sua vida.
Tom
então acenou para o público indicando que todos sentassem. Fechou
os olhos por alguns segundos e disse a si mesmo: “É agora Tom, o coroamento de
sua missão. Está na hora do grand finale. Operação Fora do Ninho”. Tom
lembrou-se da cena que viu em sua varanda e sabia o que tinha que fazer para
não por tudo a perder.
Meus
amigos, não tenho muito mais a dizer. Sou Tom Benett, aquele que foi o técnico
de segurança do trabalho de vocês. Obrigado. Retirou
o seu crachá, desceu do palco, entregou nas mãos de um funcionário que estava
bem a sua frente. Olhou pela última vez os presentes e foi embora.
Não
cabia ali naquele instante, onde provavelmente até os ponteiros dos relógios
haviam parado, uma palavra a ser pronunciada. Não, não tinha espaço. Algo a
mais, seria cometer o crime do excesso. Tudo, tudo, estava no tamanho ideal
para fotografar para sempre aquele dia na vida de cada um dos presentes.
Tom,
nunca mais foi visto por aquelas redondezas. Vale
ressaltar aqui, que aquela equipe que experimentou o grande discurso, tinham se
tornado os melhores funcionários daquela empresa. Era comum ficar sabendo dos recordes
de produção que eles alcançavam. A equipe tornou-se referência em
excelência durante longo tempo.
Muitos
anos depois fiquei sabendo de um antigo funcionário daquela metalúrgica, que
Tom minutos antes de seu famoso discurso, tinha deixado uma carta de demissão
na mesa do seu gerente, com uma pequena anotação abaixo dizendo: “Hoje o
pássaro do medo morre, para que o pássaro da liberdade voe”.
Todos tinham entendido que Tom não tinha desistido! Muitas coisas aconteceram
nos bastidores que não foram comentadas nesse artigo. O chefe causador de toda
resistência era como se fosse a "laranja podre", que quer continuar
sendo assim e para agravar a situação, era protegido por um forte favoritismo
vindo dos proprietários da metalúrgica.
A perversidade, o boicote, ia continuar acontecendo com a proteção da alta
hierarquia e provavelmente seria demitido por estar cutucando em caixa de
marimbondo. Tom já tinha solicitado em reuniões várias vezes uma atitude da
diretoria, que sempre lavava as mãos e soltava no ar indiretas para que ele
tomasse cuidado.
Caro leitor, você diria que Tom desistiu? Que ele foi um fracassado? Ficaria
dentro de uma casa com rachaduras privado de fazer a mudança necessária para
morrer quando ela viesse a baixo?
Não! Tom não desistiu! Lutou bravamente, fez grandes mudanças, inspirou muita
gente a dar o melhor de si. Deixou um legado de dedicação, e seus exemplos de
liderança e coach passaram a ser aplicados principalmente pelos técnicos de
segurança que permaneceram naquela organização. No entanto chegou um momento,
que Tom precisava dar voos mais altos e ali estava sendo impedido o seu
progresso. Já estava prestes a se aposentar e decidiu realizar um antigo sonho
abrindo sua própria consultoria. Mas antes de pedir o desligamento da empresa,
resolveu deixar uma mensagem de forma impactante, para ser eternizada, e que um
dia as pessoas daquele departamento pudessem abraçar a boa causa.
Tom
Benett tinha passado por ali, partido, mas ficado na mente de todos para
sempre.
Thiago Muniz.
“Prevencionista, se você gostou, seja um seguidor e compartilhe com
seus amigos e um dia verá que essa sua atitude fez parte da sua história”.
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