Além de profissional, cada vez mais pessoal.
Assim como os jogadores de futebol têm nas linhas de impedimento um limite para seus desejos artilheiros, outras pessoas menos famosas têm no bom senso uma importante barreira para a afetividade excessiva nos ambientes profissionais.
As relações pessoais – criadas pela inevitável convivência de jornadas cada vez mais longas, incentivadas pelos programas empresariais voltados ao bem-estar dos colaboradores ou simplesmente nascidas por força da vida e do acaso – ganharam espaço nos últimos anos nas organizações. E passaram a exigir de todos um cuidado maior com o comportamento.
A rede profissional LinkedIn, com cerca de 80 profissionais no País, vê nos relacionamentos um dos pilares da produtividade e permite a contratação de pessoas com graus de amizade e até de parentesco – sob algumas condições, claro. O líder de recursos humanos na companhia, Alexandre Ullmann, diz que as admissões sempre contam com a avaliação de mais de um gestor.
“E, para evitar favoritismos, colocamos pessoas da mesma família em áreas diferentes”, diz. Além disso, a organização estabelece metas objetivas para as avaliações de desempenho, reduzindo ao máximo o espaço dedicado à subjetividade.
O jovem André Zuccherelli, de 26 anos, é account manager no LinkedIn e passou a ter seu pai como colega de trabalho em janeiro. Domingos Zuccherelli Neto, de 55, assumiu o cargo de account executive manager da área de talent solutions após participar de um processo seletivo iniciado com a indicação de um diretor da empresa. Ambos nunca tiveram problemas causados pelo vínculo familiar.
“A área em que trabalho, marketing, não tem relação direta com a área dele”, diz André, ligado à companhia desde março de 2013 – ele também chegou à organização graças às referências de um colega.
“O mercado de mídia digital é recente. Todo mundo se conhece e é até inevitável fazer amigos”, diz
Troca:
Domingos considera que a proximidade com o filho contribui para que ele possa ampliar seus conhecimentos, já que a expertise de André é um tema ainda a ser aprofundado pelo executivo. Já para o jovem, o ambiente mais interativo da empresa e a preocupação organizacional com a qualidade das relações ajudam na produtividade. “Eu gosto do que faço, e isso interfere em como eu trabalho.”
Com bom senso, fortes vínculos afetivos podem, de fato, dar ganhos para os trabalhadores e empresas, segundo especialistas. “Muitas empresas incentivam as indicações, claro que envolvendo competências. Quando você indica uma pessoa, a ideia é que você seja responsável por ela”, diz Elton Moraes, gerente da consultoria Hay Group Brasil. Outro benefício das afinidades seria a melhoria do clima organizacional.
O advogado Gabriel Sala, de 27 anos, joga futebol todas as quartas-feiras com os colegas de trabalho. “Acho que esse estreitamento é benéfico porque, no jogo, não é preciso ser tão formal, todos ficam no mesmo patamar. E você conhece pessoas de outras áreas da empresa, que ficam normalmente afastadas no dia a dia”, conta.
Se pode ser benéfico, um relacionamento interpessoal pode se tornar também problemáticos se cercados de falta de transparência ou de excessos. A gerente da unidade de staffing da consultoria de recursos humanos Randstad, Mônica Souza, diz que profissionais muito próximos podem favorecer seus preferidos ou até realizar cobranças demasiadas.
“Se todo mundo deixar o ambiente externo muito próximo do interno, premissas profissionais podem se perder. E sabemos sempre que há conversas de bastidores nas organizações.”
Objetividade:
Antes de adotar medidas para evitar polêmicas, os gestores devem conhecer bem a cultura das empresas, segundo o gerente regional da Randstad Professionals, Frederico Vani – algumas são bem mais abertas do que outras para as afetividades. “Eles têm de deixar bem claro que, independentemente dos relacionamentos, o que importa é o mérito.” Não esconder os vínculos afetivos prévios e mostrar as razões pelas quais houve a contratação são algumas das medidas indicadas por ele.
Os especialistas recomendam ainda que as avaliações sempre tenham parâmetros objetivos, que evitam discussões ou fofocas em torno das decisões. Se não houver clareza absoluta, dizem, os demais colaboradores podem se sentir desmotivados e até injustiçados em promoções e concessões extras de benefícios pela equipe.
Para a sócia diretora da recrutadora RED, Daniela Lopes, as amizades prévias às contratações são mais delicadas do que as criadas com a convivência no trabalho. De forma ideal, amigos e parentes não deveriam ser alocados como subordinados ou pares dos funcionários que os indicaram porque a relação pode motivar preconceitos e criar ambientes desconfortáveis.
“As pessoas devem se preservar. Se um gestor for amigo de um subordinado, ele deve dar feedbacks estritamente profissionais e evitar tratar de assuntos pessoais. Os outros colaboradores da empresa não precisam saber se um frequenta a casa do outro, por exemplo”, diz.
Por outro lado, políticas de movimentação de pessoal nas empresas, o chamado job rotation, pode ser uma alternativa para os casos de relações afetivas construídas com a convivência, segundo Moraes, do Hay Group Brasil. “Sempre haverá um coleguismo que ultrapasse os processos da empresa”, diz.
Cuidados devem ser redobrados em casos de romances:
Laços afetivos inocentes às vezes evoluem para relacionamentos amorosos, complicando os desafios de atuação nos ambientes profissionais. Há diferenças consideráveis entre as políticas empresariais: algumas companhias aceitam namoros, mas não toleram casamentos entre funcionários; outras não dão o menor espaço para os casais, e há ainda aquelas organizações sem qualquer tipo de restrição.
Conhecer as regras do jogo é importante antes de engatar um romance, na avaliação de especialistas. “Se for possível e acontecer algum envolvimento entre colegas, as pessoas devem passar a informação para o gestor imediato e o RH”, diz a sócia diretora geral da recrutadora RED, Daniela Lopes.
Para as empresas, a recomendação de alocar colaboradores com laços afetivos em áreas diferentes da organização é reforçada para os casais, segundo ela. “Acho saudável que cada uma atue em uma área”, diz.
Manter a postura e não protagonizar cenas de ciúmes são outros cuidados essenciais, na opinião de Daniela. Essa não é uma situação de risco só para os casais, todo relacionamento no ambiente de trabalho pede especial atenção.
O presidente da consultoria Arquitetura Humana, Elmano Nigri, considera problemático especialmente os relacionamentos mais recentes. “Quando as pessoas casam e a paixão passa, elas normalmente não causam problemas para a organização. Mas alguns engatam um relacionamento atrás do outro, aí pode haver problemas.”
Sem riscos. Cleide Gidugli, de 33 anos, está casada há seis anos com outro funcionário da empresa onde trabalha – eles atuam em áreas diferentes da companhia. “Nem um ano depois que nos conhecemos, a coisa ficou séria. Na época, estávamos na mesma chefia e eu conversei sobre o assunto. A única recomendação que recebemos foi a de tomar cuidado com a exposição da nossa relação e a de ter uma boa postura.”
O Estado de São Paulo.
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