Fracionamento das férias individuais e a Convenção n. 132 da OIT.
De acordo com o art. 134, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as férias individuais devem ser concedidas em um só período e, somente em casos excepcionais, serão fracionadas em dois períodos, um dos quais não poderá ser inferior a 10 (dez) dias corridos.
Contudo, a Convenção n. 132 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que passou a vigor no Brasil em 23 de setembro de 1999, estabelece em seu art. 8º, § 2º, que, salvo estipulação em contrário contida em acordo, uma das frações do período deverá corresponder pelo menos a duas semanas de trabalho (14 dias).
Resta saber se essa Convenção revogou ou derrogou a CLT. Caso se entenda que a Convenção n. 132 da OIT não revogou a CLT, então teremos duas normas vigentes, igualmente aplicáveis, mas conflitantes entre si.
A doutrina trabalhista sobre essa questão é divergente. Alguns entendem que a legislação trabalhista brasileira sobre as férias é mais benéfica, como um todo, do que a Convenção n. 132 da OIT e, por isso, continua em vigor.
Outros entendem que a Convenção n. 132 da OIT, como lei posterior, derrogou a lei anterior, no caso os dispositivos de férias da CLT, no que com estes conflitarem, permanecendo em vigor aqueles que especificamente dispõem sobre outros temas não regulados pela Convenção da OIT.
O que a maioria dos doutrinadores tem adotado é o critério da prevalência da regra mais favorável ao trabalhador em relação a cada instituto das férias.
Especificamente em relação ao fracionamento das férias e a consequente obrigatoriedade de que um dos períodos de férias seja de, no mínimo, 14 (quatorze) dias, salvo estipulação em contrário, o entendimento também não é unânime.
Vários doutrinadores defendem que o § 1º do art. 134 da CLT foi revogado pelo § 2º do art. 8º da Convenção n. 132 da OIT, por se tratar de norma mais benéfica ao trabalhador, já que estipula que, no caso de fracionamento das férias, um dos períodos deve ser de, no mínimo, 14 (quatorze) dias.
Em sentido contrário, Maurício Godinho Delgado, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho entende que o § 2º do art. 8º da Convenção n. 132 não é norma imperativa, porque o período mínimo de 14 (quatorze) dias para uma das frações das férias pode não ser observado se houver "estipulação em contrário contida em acordo que vincule o empregador e a pessoa empregada em questão" (§ 2º do art. 8º da Convenção n. 132).
Dessa forma, "se até o acordo bilateral pode afrontar tal regra da Convenção, é porque ela qualifica-se por seu caráter meramente dispositivo, e não imperativo; assim, deixa de possuir força revogatória no que concerne ao preceito imperativo da CLT" (in Jornada de trabalho e descansos trabalhistas, LTr, p. 179)
Homero Batista Mateus da Silva, Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, observa que, embora a Convenção n. 134 da OIT disponha uma condição mais benéfica para o empregado, quando estabelece que ele terá 14 (quatorze) dias corridos, antes os 10 (dez) do art. 134, § 1º, da CLT, também coloca duas situações visivelmente mais desfavoráveis, quais sejam:
1) não limita o fracionamento a dois períodos, liberando o empregador a fracionar o saldo remanescente das férias em tantas parcelas quanto queira, enquanto a CLT limita o fracionamento em apenas duas parcelas;
2) a norma internacional não fixa o período concessivo em 12 (doze) meses, mas em 18 (dezoito) meses, deixando o empregado em condição mais vulnerável para o gozo das férias. (in Curso de Direito do Trabalho Aplicado: Jornadas e Pausas. Elsevier, 2009, p. 284).
Revendo posicionamento anterior, passamos a compartilhar o mesmo entendimento adotado por Maurício Godinho Delgado, no que se refere ao período mínimo de duração das férias fracionadas.
O que deve ser observado, em caso de bipartição do gozo das férias em dois períodos anuais é a exigência de que nenhum dos períodos de fracionamento pode ser inferior a dez dias (de preferência).
A jurisprudência atual do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é no sentido de que somente o fracionamento das férias em períodos inferiores a dez dias (art. 134, § 1º, da CLT) acarreta o pagamento de forma dobrada, conforme se vê dos seguintes julgados:
FÉRIAS. FRACIONAMENTO IRREGULAR. PAGAMENTO EM DOBRO. O fracionamento das férias em períodos inferiores a dez dias (art. 134, § 1º, da CLT) acarreta o pagamento de forma dobrada. A legislação privilegia a concessão das férias no período único e, apenas excepcionalmente, autoriza o fracionamento, desde que não haja período inferior a dez dias, o que não foi observado pela reclamada. Se ocorre tal infração, fica comprometido o objetivo do instituto que é proporcionar descanso ao trabalhador, para a reposição de sua energia física e mental, após longo período de prestação de serviços. Por isso é que se considera como não concedidas as férias nessas condições, com infringência ao que dispõe a Lei. Daí porque é legítima a condenação da reclamada a pagá-las de forma dobrada. Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte, consoante precedentes citados. Recurso de revista conhecido e não-provido. (TST; RR 1189/2003-382-04-00.2; Segunda Turma; Rel. Min. Vantuil Abdala; DEJT 31/10/2008; Pág. 1282)
RECURSO DE REVISTA. FÉRIAS. FRACIONAMENTO IRREGULAR. NOVO PAGAMENTO OU PAGAMENTO EM DOBRO . AFASTADA A TESE DE MERA INFRAÇÃO ADMINSTRATIVA. PAGAMENTO DEVIDO . 1. In casu, discute-se a possibilidade de fracionamento de férias em período inferior ao estabelecido no § 1.º do art. 134 da CLT. 2. No caput do referido artigo da CLT, impõe-se a concessão das férias em um só período, ficando clara a intenção do legislador acerca da finalidade do instituto, qual seja, a proteção à saúde física e mental do trabalhador. Porém, no seu parágrafo primeiro, concedeu-se a possibilidade de fracionamento, em casos excepcionais, em dois períodos, ressalvando-se a impossibilidade de fracionamento em período inferior a dez dias corridos. 3. Essa Corte firmou o entendimento de que a concessão de férias por período inferior ao mínimo de dez dias, conforme previsto na CLT, mostra-se ineficaz, por não atingir o seu fim precípuo assegurado por lei, afastando a tese de mera infração administrativa e determinando o pagamento em dobro do período.- (RR-635/2000-381-04-00, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Assis Calsing, DJ 09/05/2008)
RECURSO DE REVISTA. FÉRIAS. FRACIONAMENTO. PERÍODO INFERIOR A 10 (DEZ) DIAS. IMPOSSIBILIDADE. PAGAMENTO EM DOBRO. Nos termos do que dispõe o artigo 134 da Consolidação das Leis do Trabalho, as férias devem ser concedidas em um só período, nos doze meses subseqüentes à data em que a empregada tiver adquirido o direito. Excepcionalmente, as férias podem ser concedidas em dois períodos, desde que um deles não seja inferior a dez dias corridos (§ 1º). Logo, por se tratar de exceção à regra geral, o fracionamento das férias deve se pautar nos estritos termos da Lei, sob pena de frustrar a sua finalidade, que é propiciar a ausência prolongada do empregado do local de trabalho, de modo que possa ter garantida a sua higienização física e mental. Constatada a irregularidade, o pagamento dobrado, além do terço constitucional, é mero corolário que se reconhece. Recurso de revista não conhecido. (...). (TST; RR 719/2002-381-04-00.8; Sexta Turma; Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga; DEJT 26/06/2009; Pág. 1407)
Verifica-se dos julgados acima transcritos que a falta de situação excepcional a autorizar o fracionamento das férias é que enseja a condenação no pagamento da dobra e não propriamente a de um dos períodos ser inferior a 14 (quatorze) dias.