BRASÍLIA: OS RISCOS DOS PRÉDIOS PÚBLICOS SEM ALVARÁ.
Órgãos do Executivo dizem
que autorização é desnecessária, mas MP contesta. Especialista vê perigos até
na estrutura do plenário usado por deputados.
Uma boa demonstração da incapacidade do governo em resolver problemas
complexos é o fato de de que ele não consegue resolver problemas simples. Em
Brasília, há um exemplo concreto: boa parte da Esplanada dos Ministérios
funciona sem alvará e apresenta instalações inadequadas. Os problemas são
antigos, mas ficaram evidentes no último dia 24 de outubro, quando um incêndio
no subsolo do Ministério das Comunicações causou pânico e levou dezesseis
pessoas ao hospital, com início de intoxicação por fumaça.
O incidente teve origem quando os fios de uma subestação de energia que
fica sob o prédio superaqueceram. O alarme não funcionou. Os brigadistas do
edifício tiveram de percorrer os nove andares, sala por sala, pedindo que os
funcionários deixassem o local. A fumaça tóxica já se alastrava pelas escadas
quando o prédio foi esvaziado.
Em fevereiro deste ano, outro princípio de incêndio atingiu o mesmo
prédio. Há um ano, um caso mais grave: um funcionário morreu no Ministério do
Esporte, quando a subestação do prédio explodiu. Episódios similares já
aconteceram em outros prédios da Esplanada. Não são, portanto, uma exceção.
Brasília foi construída por meio de uma brecha na legislação para tornar
viável e rápida a inauguração da cidade, erguida em apenas três anos. Para
desburocratizar o processo de construção dos edifícios, o governo de Juscelino
Kubitschek providenciou a revogação de uma norma que exigia as documentações
básicas para o estabelecimento poder funcionar – equivalentes ao alvará de
construção, de funcionamento e ao habite-se.
À época, o argumento para dispensar a documentação poderia até ser
plausível. No entanto, 53 anos após a fundação da capital do país, alguns
órgãos recorrem às leis do governo Kubitschek para justificar a situação
irregular: “O Ministério do Desenvolvimento Agrário não tem o documento, pois
não existia a obrigação de alvará de funcionamento”, argumentou a assessoria da
pasta comandada pelo ministro Pepe Vargas.
O site de VEJA consultou todos os ministérios sobre a condição de seus
prédios. Poucos afirmaram ter algum tipo de documentação. Nenhuma pasta
apresentou a Licença de Funcionamento exigida pela legislação.
VISTORIAS - No Distrito Federal, a lei número 4.457, de 2009, prevê como
requisito para a autorização de serviços institucionais e o exercício de
atividades econômicas com ou sem fins lucrativos a aquisição da Licença de
Funcionamento – justamente a documentação dispensada pelas autoridades. O
documento serve como garantia legal de que o local teve as normas de segurança
atestadas.
O Ministério do Planejamento justifica a dispensa da Licença de
Funcionamento: diz que a documentação se aplica apenas a estabelecimentos
comerciais. Mas, pela lei em vigor, as exigências para a concessão da
autorização são realizar atividades com ou sem fins lucrativos e serviços
institucionais.
“O mínimo seria isso: alvará de construção habite-se e, depois, para funcionar, alvará de funcionamento. A lei não exclui ninguém”, diz o promotor Dênio Moura, da Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística do Ministério Público do Distrito Federal.
Mas o governo federal parece não se preocupar em seguir a lei local. "Essa falta de regularização foi constatada já na década de 1980. O problema continua até hoje e o que a gente percebe é que há uma longa história de ignorância de leis básicas da cidade", diz Frederico Flósculo, professor de urbanismo da Universidade de Brasília.
“O mínimo seria isso: alvará de construção habite-se e, depois, para funcionar, alvará de funcionamento. A lei não exclui ninguém”, diz o promotor Dênio Moura, da Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística do Ministério Público do Distrito Federal.
Mas o governo federal parece não se preocupar em seguir a lei local. "Essa falta de regularização foi constatada já na década de 1980. O problema continua até hoje e o que a gente percebe é que há uma longa história de ignorância de leis básicas da cidade", diz Frederico Flósculo, professor de urbanismo da Universidade de Brasília.
Sem a documentação, os ministérios funcionam amparados em vistorias
realizadas pelo Corpo de Bombeiros, que observam principalmente as adequações
em relação à prevenção e ao combate ao incêndio.
Durante as averiguações, é comum os profissionais encontrarem irregularidades nos edifícios, mas o longo prazo para a reparação das inconformidades permite que eles permaneçam de portas abertas enquanto consertam o problema. De acordo com a corporação, os órgãos são averiguados pelo menos uma vez por ano.
Durante as averiguações, é comum os profissionais encontrarem irregularidades nos edifícios, mas o longo prazo para a reparação das inconformidades permite que eles permaneçam de portas abertas enquanto consertam o problema. De acordo com a corporação, os órgãos são averiguados pelo menos uma vez por ano.
“Em vez de regularizar e resolver a situação, os estabelecimentos dão um
jeito de manter a desregularização”, afirma o promotor Dênio Moura.
“O problema é que nunca resolvem. Até seriam admissíveis funcionamentos provisórios, mas desde que houvesse um prazo determinado e que as coisas fossem feitas.”
“O problema é que nunca resolvem. Até seriam admissíveis funcionamentos provisórios, mas desde que houvesse um prazo determinado e que as coisas fossem feitas.”
O Ministério Público do Distrito Federal também não tem um levantamento
oficial da situação dos prédios da Esplanada dos Ministérios. Mas reconhece que
os problemas existem – e são históricos:
“A questão da falta de alvará é a ponta do iceberg. Há uma cultura de descumprimento de lei em Brasília, e é uma cultura impregnada que chama atenção por aqui ser a capital da República”, afirma Moura.
“A questão da falta de alvará é a ponta do iceberg. Há uma cultura de descumprimento de lei em Brasília, e é uma cultura impregnada que chama atenção por aqui ser a capital da República”, afirma Moura.
Mudanças constantes nas leis, a confusão sobre as atribuições dos órgãos
locais e federais, o tombamento de Brasília e a arquitetura peculiar de Oscar
Niemeyer tornam mais difícil a resolução dos problemas estruturais.
A sobrecarga de instalações elétricas - quando os prédios foram construídos, não existiam computadores - aumenta os riscos. O inchaço na equipe ministerial, composta de 39 pastas, também levou o governo a alocar dois ou três ministérios em um mesmo prédio, o que elevou o número de pessoas trabalhando juntas nos mesmos espaços.
A sobrecarga de instalações elétricas - quando os prédios foram construídos, não existiam computadores - aumenta os riscos. O inchaço na equipe ministerial, composta de 39 pastas, também levou o governo a alocar dois ou três ministérios em um mesmo prédio, o que elevou o número de pessoas trabalhando juntas nos mesmos espaços.
Os órgãos locais se atrapalham com a fiscalização. A assessoria de
imprensa da Administração de Brasília diz que a atribuição de conceder as
autorizações de funcionamento dos prédios federais é da Secretaria de
Patrimônio Urbanístico (SPU), vinculada ao Ministério do Planejamento. A SPU,
por sua vez, afirma que esse papel cabe à administração do DF.
O Corpo de Bombeiros alega que checa o preparo dos prédios para
situações de emergência, mas não lidam com a emissão de alvarás. A Agência de
Fiscalização do governo distrital, que teria a atribução de cobrar a
apresentação das licenças, concentra esforços em vistoriar estabelecimentos
comerciais.
CÂMARA – Os problemas não atingem apenas o executivo: o prédio principal
Câmara dos Deputados não possui sequer habite-se. E a adequação do plenário às
normas de segurança seria trabalhosa. O local possui 392 cadeiras. Mas, em dias
de sessão do Congresso, são quase 600 parlamentares reunidos, com pelo menos
cem assessores e jornalistas misturados a deputados e senadores.
O local onde os deputados se reúnem tem uma única saída - obstruída por
uma parede que, em caso de emergência, quando normalmente a energia é
interrompida e a fumaça prejudica a visão, dificultaria a evacuação do local.
As outras duas portas disponíveis mal seriam suficientes para que duas pessoas
passassem ao mesmo tempo.
A falta de janelas, o piso e as paredes revestidas de carpetes e as
fileiras de cadeiras, que prejudicam a movimentação, compõem um cenário de
risco, de acordo com o professor Airton Bodstein de Barros, coordenador da
Pós-Graduação em Defesa e Segurança Civil da Universidade Federal Fluminense
(UFF). O especialista lembra que, em caso de incêndio o local precisaria ser
evacuado em cinco minutos para evitar consequências mais graves E diz que,
enquanto não resolve as irregularidades, a Câmara pode agir de forma
preventiva: "É importante que se faça, nesses casos, um simulado de
evacuação", afirma.
Desde fevereiro,
impulsionada pela tragédia na Boate Kiss, quando um incêndio resultou na morte
de 242 jovens, a diretoria da Câmara tem se reunido com o Corpo de Bombeiros
para avaliar as adequações necessárias para cumprir as regras de controle de
incêndio e pânico. De acordo com a assessoria de imprensa da Casa, algumas
obras foram realizadas, como a colocação de sinalizadores e portas corta-fogo,
e outras passam por adequações para se ajustar ao tombamento da cidade. A
expectativa é que o habite-se seja concedido em 2016.
MAIS PROBLEMAS – Outras
construções da área central de Brasília estão irregulares. Projetado pelo
arquiteto Oscar Niemeyer, o Teatro Nacional, inaugurado em 1961, não tem o
alvará de funcionamento. O Ministério Público chegou a recomendar a suspensão
das atividades no local, mas os espetáculos continuam acontecendo com
normalidade por causa do prazo concedido pelo Corpo de Bombeiros para a
reparação dos problemas.
As irregularidades, no
entanto, não são exclusivas às primeiras construções da capital federal.
Inaugurado em maio deste ano para sediar a abertura da Copa das Confederações,
o Estádio Nacional de Brasília funciona sem habite-se ou alvarás. Também nesse caso
o Ministério Público interviu cobrando a regularização, mas o governo do
Distrito Federal ainda não apresentou prazos para cumprir as normas. A arena,
atualmente, funciona por meio de alvarás eventuais.
Marcela
Mattos e Gabriel Castro.
Comentários
Postar um comentário
As informações disponibilizadas nesse Blog são de caráter genérico e sua utilização é de responsabilidade exclusiva de cada leitor.