Empresas deixam de ver profissionais que se demitem apenas como traidores.
Carlos
Guedes, 38, era diretor financeiro na empresa de tecnologia Micro Focus e pediu
demissão no ano passado porque surgiu a oportunidade de um emprego que, ele
acreditava, lhe traria novos desafios. Mas acabou se decepcionando e voltou
para o antigo empregador após apenas oito meses.
Guedes
é o caso clássico de "profissional bumerangue", que deixa a empresa
mas depois deseja voltar.
Esses
funcionários já foram muito estigmatizados pelo mercado, considerados
traidores, mas agora são vistos como um grupo que pode trazer benefícios.
"Às
vezes a pessoa não quer sair, não está infeliz, mas surge uma oportunidade e
ela quer tentar algo novo", diz Brad Harris, professor da Universidade de
Illinois (EUA) e autor de estudos sobre o tema.
Segundo
ele, em geral o funcionário que retorna à companhia é mais comprometido, já que
viu que "a grama do vizinho não é mais verde" -a segunda passagem
costuma ser mais longa que a primeira.
"Acho
que, se eu não tivesse provado dessa mudança, talvez eu estivesse muito
insatisfeito hoje aqui, achando que não sou reconhecido. Mas o fato de eu ter
ido e ter decidido retornar me dá uma certeza de que eu estou no lugar
certo", diz Guedes.
Marco
Leone, diretor-geral da Micro Focus, diz que houve uma mudança de cultura na
empresa: superar o dogma de não recontratar funcionários e perceber que a
flexibilidade maior pode ser vantajosa para ambos os lados.
Harris
diz que as companhias hoje aceitam mais esse tipo de situação, reagindo a um
comportamento dos próprios profissionais: é natural que eles não queiram passar
a vida toda em um mesmo emprego e queiram conhecer novos ambientes.
Mas
ainda há resistência a recontratar antigos funcionários. Adriana Garcia,
diretora de recursos humanos da fabricante de materiais de construção Amanco,
diz que esse tipo de situação passa por uma análise criteriosa: é preciso avaliar
o contexto da saída, o histórico de desempenho e o que aconteceu com a empresa
durante o período.
Existe
também o receio sobre a mensagem transmitida aos outros funcionários,
especialmente nos casos em que a pessoa sai e volta em um cargo mais alto.
"Se
um analista se demite e volta dois anos depois em um cargo maior, o recado que
eu dou é que é preciso sair da companhia para crescer."
Aprender
fora:
Um
estudo feito por Harris e professores das universidades da Carolina do Norte,
Cincinatti e Cristã do Texas aponta que uma das vantagens dos profissionais
bumerangues é aproveitar os conhecimentos que eles adquiriam enquanto estavam
fora.
Nei
Tremarin, 49, saiu da empresa de tecnologia Mercado Eletrônico em 2012 para ir
trabalhar na área comercial de uma companhia que estava abrindo o capital na
Bolsa de Valores.
"Foi
uma oportunidade bem legal porque a empresa estava em um processo positivo e
interessante do ponto de vista profissional para mim", conta.
No
período, ele diz ter aprendido mais sobre como expandir negócios
internacionalmente e desenvolver novos mercados.
Há
seis meses, foi chamado pelo empregador anterior para usar essa experiência e
fazer a marca da Mercado Eletrônico ficar mais conhecida no exterior.
Sem
reclamações:
Algumas
empresas têm de aceitar o retorno por causa do perfil dos profissionais. A
agência de marketing The Group trabalha hoje com cerca de dez funcionários
bumerangues em uma força de trabalho de cem pessoas.
O
presidente da empresa, Fernando Guntovitch, diz que é difícil reter
funcionários porque e equipe é muito jovem e quer descobrir coisas novas no
mercado.
Guntovitch,
da The Group, conta que é raro a companhia não aceitar o retorno de algum
funcionário.
"Ele
volta mais maduro e para de reclamar sobre certas coisas: entende que é preciso
ter regras e outras questões burocráticas", afirma.
Mesmo
em casos como o da empresa, em que há um entusiasmo maior sobre os benefícios
de quem sai e depois volta para a empresa, existem critérios para aprovar a
recontratação.
Na
hora de fazer análise, o RH considera a entrevista de desligamento do
funcionário, a opinião do gestor para quem ele vai trabalhar e quanto tempo ele
ficou fora da empresa. A empresa não recontrata funcionários que tenham ficado
menos de um ano fora, que seria o tempo para ganhar maturidade e experiência.
A
condição da saída é um dos contextos mais analisados pelas empresas ao arbitrar
sobre uma recontratação. Por isso, especialistas recomendam que o profissional
seja transparente sobre o que está motivando a decisão.
"Se
a pessoa está saindo porque tem um novo desafio e quer tentar, é isso que ela
tem que falar. Todo mundo vai compreender", aconselha Maurício
Goldstein,da consultoria de gestão Corall.
Dov
Bigio, 37, foi chamado de volta pela Locaweb depois de ter apostado em uma
oportunidade que terminou não dando certo.
Em
2011, após seis anos na companhia, ele teve a chance de trabalhar em uma
empresa iniciante que estava se reestruturando. Mas, apenas quatro meses
depois, a equipe para a qual ele foi contratado foi desfeita.
"Eles
resolveram mudar todos os rumos. Não foi nada de acordo com as expectativas que
eu tinha", afirma.
Como
ele manteve contato com os antigos colegas, ele contou do que tinha acontecido
e pediu para avisarem caso soubessem de alguma vaga, e a empresa o chamou de
volta. "O que valeu foi ter começado a dar valor para coisas com as quais
eu talvez estivesse desgastado na primeira fase", diz.
Folha
de São Paulo.
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