Trabalho precisa de amor ?
Em
2005, Steve Jobs fez um discurso emocionante para 23.000 alunos da Universidade
Stanford, na Califórnia, numa cerimônia de formatura. De lá para cá, o vídeo do
evento já foi assistido mais de 20 milhões de vezes no YouTube.
Em
determinado momento de sua fala, Jobs crava: “Você tem de encontrar o que você
ama. A única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que faz. Se você
ainda não encontrou, continue procurando, e não se acomode”.
O
texto do genial fundador da Apple serviu como um grande reforço para a ideia de
que associar trabalho à satisfação é um componente essencial do sucesso. Muita
gente toma esse raciocínio como verdade absoluta, mas ele não explica algumas
questões.
Por
exemplo: o que fazer com os milhões de profissionais que são ótimos fazendo um
trabalho que detestam? E como explicar aqueles que adoram o que fazem, mas têm
um desempenho ruim? Talvez seja preciso investigar melhor o discurso da paixão
pelo fazer.
Foi
o que fez Cal Newport, professor de ciência da computação na Universidade de
Georgetown, em Washington. Em 2010, ele ficou obcecado pela ideia de responder
a uma pergunta simples: “Por que algumas pessoas acabam amando sua carreira e
outras não?”. O professor foi investigar profissionais que faziam o que amavam
nas mais variadas atividades — agricultores, músicos, roteiristas, investidores
de risco, programadores.
Cal
tinha a tese de que seguir uma vocação inicial não era exatamente o caminho
mais eficaz para ter amor pelo trabalho. O resultado da investigação está no
livro So Good They Can’t Ignore You (“Tão bom que eles não podem ignorá-lo”, numa
tradução livre, inédito no Brasil, 26 dólares na Amazon).
“Essa
premissa do faça o que você ama é muito sedutora, mas é falsa porque a maioria
das pessoas não é programada para amar determinado tipo de trabalho”, diz Cal.
Ao
estudar pessoas que acabaram apaixonadas pela carreira, o professor percebeu
que na maior parte dos casos o amor pelo trabalho se desenvolve ao longo do
tempo, conforme as pessoas moldam a vida profissional de maneira significativa.
O processo de construção seria, portanto, mais importante para a satisfação do
que a escolha inicial com base em uma suposta preferência.
A
opinião de Cal é semelhante à de outros especialistas como Rafael Alcadipani,
professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. “Os motivos para uma pessoa
ficar insatisfeita com o trabalho são diversos, mas a satisfação raramente tem
a ver com alguma inclinação preexistente”, afirma Rafael.
Amar
o ofício talvez seja mais simples para quem ocupa um cargo de destaque ou tem
um negócio de sucesso — o que explicaria a crença de Steve Jobs. Mas, para
grande parte dos trabalhadores mortais, a relação entre prazer e fazer é mais
conflituosa. “Para a maioria das pessoas, a possibilidade de fazer o que ama é
limitada pela obrigação de ter de ganhar dinheiro para sobreviver”, diz Rafael.
As
biografias de Jobs mostram que o plano inicial dele e de seu sócio, Steve
Wozniak, era vender 100 placas de circuito para uma loja local de informática
em Mountain View, na Califórnia.
A
expectativa era ter um lucro de 1.000 dólares. Jobs entrou descalço no local e
ofereceu as placas. O empresário recusou, mas disse que tinha interesse em 50
computadores completos, uma novidade na época. E pagaria 500 dólares cada um. O
acordo foi fechado, e assim surgiu a Apple Computer.
Nessa
fase da vida, Jobs estava meio desnorteado em relação à própria carreira.
Tinha largado os estudos e passava boa parte do tempo meditando. Se ele tivesse
seguido o conselho que deu aos formandos de Stanford, talvez não tivesse criado
a Apple, mas algum templo zen.
O
principal problema é que amar o trabalho tornou-se praticamente uma obrigação
nos últimos anos, como se fosse o único caminho para o sucesso. “Há um
romantismo ingênuo”, diz Eduardo Ferraz, consultor de gestão de pessoas e autor
do livro Seja a Pessoa Certa no Lugar Certo (Gente, 25 reais). “Parece uma
falha moral a pessoa trabalhar para sobreviver.”
Há
quem defenda que a busca de uma atividade que proporcione prazer é positiva
quando incentiva alguém a deixar um emprego ruim ou a experimentar mais na
carreira. Mas em ouvidos errados pode ser um conselho perigoso. Uma má
interpretação dessa ideia pode levar a uma escolha de carreira pouco planejada,
como calcular mal a remuneração ou a carga de trabalho de um emprego tido como
ideal.
“Pode
ser frustrante quando a pessoa não encontra o trabalho perfeito”, diz Cal. Mais
importante do que trabalhar com o que se ama é pensar em fazer algo que pode
gerar crescimento e, eventualmente, satisfação. “Às vezes, não conseguimos
começar fazendo o que amamos, mas temos de ter foco para encontrar o que nos
faz crescer e, então, nos aproximarmos do que nos faz feliz profissionalmente”,
diz Guilherme Gatti, diretor de marketing para a América Latina da FedEx,
empresa de logística, de São Paulo.
Boa
parte do discurso da paixão pela profissão traz embutida uma imagem estilizada
de trabalho, em geral mais agradável do que a realidade cotidiana. O
profissional supõe que em um trabalho prazeroso será mais fácil ser feliz ou
ficar rico, o que nem sempre é verdade.
“Acho
que é preciso questionar mais esse modelo de felicidade e buscar relações de
trabalho melhores”, afirma Bárbara Castro, socióloga e professora da Fundação
Escola de Sociologia e Política de São Paulo, que questiona até que ponto esse
trabalho ideal pode virar um meio de sustento concreto.
“A
pessoa não precisa se resignar e ficar em um trabalho infeliz para sempre, mas
precisa ser crítica quanto às possibilidades de mudança de profissão”, diz
Bárbara.
A
importância do esforço:
Acreditar
no sucesso pela paixão tem também o problema de diminuir a importância do
mérito e do esforço para construir uma carreira. Fazer o que ama é ótimo, mas
não se pode ter a ilusão, ou a falsa esperança, de que basta ter a coragem de
mudar para uma atividade amada que o sucesso virá a reboque.
“Gostar
do que faz é essencial, mas é preciso estar muito bem preparado para que as
expectativas encontrem as oportunidades”, diz Roger Ingold, presidente da
consultoria Accenture, de São Paulo. Para Rafael Alcadipani, da FGV-SP, fazer o
que ama é um pouco de acaso e bastante de noção sobre as próprias limitações.
“Tem gente que ama tocar piano, mas nunca poderia fazer isso
profissionalmente.”, diz Rafael.
Na
opinião de Cal, o melhor caminho para vir a amar o trabalho é se aperfeiçoar.
Primeiro, diz o professor, escolha algo interessante e que ofereça opções de
crescimento conforme você for amadurecendo — uma opção mais viável do que ir em
busca de um amor verdadeiro. Em segundo lugar, é importante tornar-se um
profissional valioso para a empresa e na área em que atua.
“Por
fim, use suas habilidades como alavanca para moldar sua carreira em direções
que proporcionem satisfação no longo prazo”, afirma Cal. Esse processo leva
tempo, mas, segundo o especialista, vai guiá-lo para um trabalho que você ame
de forma consistente.
O
trabalho ocupa, sim, uma parcela importante da vida de cada um e é fundamental
buscar atividades que dão prazer. Mas tem de ser crítico nas decisões de
carreira. O profissional deve afastar a ideia ingênua de que uma mudança traz
felicidade.
E
também deve evitar se sentir culpado ou infeliz por exercer um trabalho pouco
prazeroso. Na verdade, a melhor estratégia é enxergar o trabalho como parte de
um plano de vida, que tenha múltiplas fontes de satisfação além da
profissional.
“Quando
temos um propósito de vida bem definido, faremos coisas que verdadeiramente
amamos e outras que nem tanto, mas que deverão ser realizadas com a mesma
energia e dedicação para que o objetivo maior seja alcançado”, diz Carlos
Morassutti, vice-presidente de recursos humanos da Volvo, de Curitiba, no
Paraná. Pense nisso da próxima vez que estiver infeliz com a carreira.
Exame.com
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